segunda-feira, 24 de agosto de 2009


Rolou um arco-íris ontem no meio da tarde :)



"de boa" em Aporá


domingo, 23 de agosto de 2009



Ditados, Bíblia e Martini
Colunista passa a vida colecionando dizeres e reparte seu “best of” pessoal
Texto por J. R. Duran Ilustração Morgan Blair / http://www.morganblair.com/

Tenho o costume, devo confessar, de anotar em um canto de minhas agendas frases que vou lendo e que, de alguma maneira, me marcam. São pensamentos que devem ter aparecido na minha frente no momento certo. Seguem algumas delas, na ordem em que foram guardadas.


“Deixem as mulheres bonitas para os homens sem inspiração.” Essa é de Marcel Proust. Já o jornalista Mino Carta, se referindo a um político corrupto, escreveu em seu blog: “Não acredito em Lombroso. Mas há exceções, às vezes as aparências não enganam”. Quem escreveu “o que faz andar o barco não é a vela enfurnada, é o vento que não se vê” não foi um marinheiro, foi Platão. E Woody Allen constatou que “se nós falamos com Deus estamos rezando, mas se Deus fala conosco estamos loucos?”. Na época em que as companhias aéreas tornaram as viagens de avião pelo país um pesadelo, o comandante Rocha Lima sintetizou, brilhantemente, a um jornal, que “no Brasil de hoje ir de avião é o meio mais caro para se chegar atrasado a qualquer lugar”.


Interessado pela guerra do Vietnã, me chamou a atenção em uma revista piauí a foto de um isqueiro Zippo com os dizeres “In Vietnam the wind dosen’t blow. It sucks” (No Vietnã o vento não sopra. Suga). Já a frase “A verdade sempre brilha”, que parece saída de um brasão ou bandeira, não sei de onde saiu, mas já me serviu, muito, de consolo. Na sequência, um provérbio judeu: “Com uma mentira se pode ir muito longe, mas sem esperança de retornar”.


O filósofo espanhol Julian Marias escreveu que “no se puede ser inteligente sin ser generoso”, e isso me deixou encucado por um tempo. Já Aristóteles Onassis, armador grego que trabalhou a vida inteira para ser milionário e passou à história como o segundo marido de Jacqueline Kennedy, dizia: “The rule is: there are no rules” (A regra é: não existem regras). Talvez esse fosse seu segredo. Mas, por outro lado, em algum lugar li, e anotei, que alguém descobriu o óbvio, que “os ricos não reconhecem o que não tem preço”.


Guardo, também, os papeizinhos que me tocam nos biscoitos da sorte dos restaurantes chineses. Tenho três colados, um embaixo do outro, bastante enigmáticos. Um deles diz que “mesmo oprimido, procure pelo sucesso”, outro aconselha: “Não se preocupe com o que se passa de fora de sua porta”. Um terceiro sentencia que “tudo o que é visível deve expandir até penetrar o âmbito invisível”. Na verdade não sei ao certo se são enigmáticos, redundantes ou pretensiosos.


Chutando o balde
Neil Young aparece com uma frase retumbante e trágica: “Its better to burn out than to fade away” (algo como: É melhor se acabar do que desaparecer). Serve como uma luva para quem quer chutar o balde. Mario Quintana é mais romântico e escreve que “uma vida não pode apenas ser vivida, precisa também ser sonhada”. A seguir, depois de algumas semanas, deparei com o livro dos Eclesiastes, do Novo Testamento: “Stultorum infinitus est numerus” (O número de estúpidos é infinito). Já Santo Agostinho é bastante prático e cético com a condição humana. Escreve que “toda virtude se deve à falta de oportunidade para o vício”. E Guimarães Rosa vai numa linha mais sintética e platônica ao dizer que “quando nada acontece, há um milagre que não estamos vendo”.


Depois de uma viagem à Eritreia voltei com a frase, quase inútil, “knowledge makes one laugh, but wealth makes one dance” (o saber nos faz rir, mas a riqueza faz dançar). E um dia, monótono com certeza, me lembrei do Chacrinha dizendo “todo dia tomo banho, na mesma banheira do mesmo tamanho”. Por fim, um bom escritor dos anos 30, em Hollywood, de quem não lembro o nome, resumiu: “Quais são os três maiores prazeres da vida? Um dry martini antes e um cigarro depois”. http://revistatrip.uol.com.br/revista/180/colunas/ditados-biblia-e-martini.html

O anãozinho de olho!
(Praça de Aporá-Bahia)
Dona Alcina de Aporá ...
"Com açúcar, com afeto
Fiz seu doce predileto
Pra você parar em casa ..."
(Chico Buarque)
Mais um silencioso domingo
Estou aqui - no mesmo lugar
Pensando na vida e sentindo aquela vibe!
"A felicidade é como a gota
De orvalho numa pétala de flor
Brilha tranqüila
Depois de leve oscila
E cai como uma lágrima de amor"
(Vinicíus de Moraes - Tom Jobim)

Composição: Zé Keti / Hortêncio Rocha

domingo, 16 de agosto de 2009

Confiando no anoitecer
[MAM Bahia]

sábado, 15 de agosto de 2009

"Fotografo para ver como o mundo fica fotografado".
Garry Winogrand

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

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A partir de hoje vou postar algumas entrevistas realizadas por Clarice Lispector (entre maio de 1968 e outubro de 1969 e entre dezembro de 1976 e outubro de 1977) que foram publicadas regularmente na Revista Manchete, na seção "Diálogos Possíveis com Clarice Lispector" e na revista Fatos & Fotos: Gente. Para a primeira postagem escolhi a entrevista do poeta Vinícius de Moraes e do dramaturgo Nelson Rodrigues. Divirtam-se.
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Clarice: Vinícius, acho que vamos conversar sobre mulheres, poesia e música. Sobre mulheres porque corre a fama de que você é um grande amante. Sobre poesia porque você é um dos nossos grandes poetas. Sobre música porque você é o nosso menestrel. Vinícius, você amou realmente alguém na vida? Telefonei para uma das mulheres com quem você casou, e ela disse que você ama tudo, a tudo você se dá inteiro: a crianças, a mulheres, a amizades. Então me veio a idéia de que você ama o amor, e nele inclui as mulheres.
Vinícius: Que eu amo o amor é verdade. Mas por esse amor eu compreendo a soma de todos os amores, ou seja, o amor de homem para a mulher, de mulher para homem, o amor de mulher por mulher, o amor de homem para homem e o amor de ser humano pela comunidade de seus semelhantes. Eu amo esse amor mas isso não quer dizer que eu não tenho amado as mulheres que tive. Tenho a impressão que, àquelas que amei realmente, me dei todo.
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Clarice: Acredito, Vinícius. Acredito mesmo. Embora eu também acredite que quando um homem e uma mulher se encontram num amor verdadeiro, a união é sempre renovada, pouco importam as brigas e os desentendimentos: duas pessoas nunca são permanentemente iguais e isso pode criar no mesmo par novos amores.
Vinícius: É claro, mas eu ainda acho que o amor que constrói para a eternidade é o amor paixão, o mais precário, o mais perigoso, certamente o mais doloroso. Esse amor é o único que tem a dimensão do infinito.
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Clarice: Você já amou desse modo?
Vinícius: Eu só tenho amado desse modo.
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Clarice: Você acaba um caso porque encontra outra mulher ou porque se cansa da primeira?
Vinícius: Na minha vida tem sido como se uma mulher me depositasse nos braços de outra. Isso talvez porque esse amor de paixão pela sua própria intensidade não tem condições de sobreviver. Isso acho que está expresso com felicidade no dístico final do meu soneto "Fidelidade": "que não seja imortal posto que é chama/mas que seja infinito enquanto dure".
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Clarice: Você sabe que é um ídolo para a juventude? Será que agora que apareceu o Chico, as mocinhas trocaram de ídolo, as mocinhas e os mocinhos?
Vinícius: Acho que é diferente. A juventude procura em mim o pai amigo, que viveu e que tem uma experiência a transmitir. Chico não, é ídolo mesmo, trata-se de idolatria.
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Clarice: Você suporta ser ídolo? Eu não suportaria.
Vinícius: Às vezes fico mal-humorado. Mas uma dessas moças explicou: é que você, Vinícius, vive nas estantes de nossos livros, nas canções que todo mundo canta, na televisão. Você vive conosco, em nossa casa.
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Clarice: Qual artista de cinema que você amaria?
Vinícius: Marilyn Monrou. Foi um dos seres mais lindos que já nasceram. Se só existisse ela, já justificaria a existência dos Estados Unidos. Eu casaria com ela e certamente não daria certo porque é difícil amar uma mulher tão célebre. Só sou ciumento fisicamente, é o ciúme de bicho, não tenho outro.
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Clarice: Fale-me sobre sua música.
Vinícius: Não falo de mim como músico, mas como poeta. Não separo a poesia que está nos livros da que está nas canções.
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Clarice: Vinicíus, você já se sentiu sozinho na vida? Já sentiu algum desamparo?
Vinícius: Acho que sou um homem bastante sozinho. Ou pelo menos eu tenho um sentimento muito agudo de solidão.
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Clarice: Isso explica o fato de você amar tanto, Vinícius.
Vinícius: O fato de querer me comunicar tanto.
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Clarice: Você sabe que eu admiro muito seus poemas, e, mais do que gostar, eu os amo. O que é a poesia pra você?
Vinícius: Não sei, eu nunca escrevo poemas abstratos, talvez seja o modo de tornar a realidade mágica aos meus próprios olhos. De envolvê-la com esse tecido que dá uma dimensão mais profunda e consequentemente mais bela.
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Clarice: Reflita um pouco e me diga qual é a coisa mais importante do mundo, Vinícius?
Vinícius: Para mim é a mulher, certamente.
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Clarice: Você quer falar sobre sua música? Estou escutando.
Vinícius: Dizem, na minha família, que eu cantei antes de falar. E havia uma cançãozinha que eu repetia e que tinha um leve tema de sons. Fui criado no mundo da música, minha mãe e minha avó tocavam piano, eu me lembro de como me machucavam aquelas valsas antigas. Meu pai também tocava violão, cresci ouvindo música. Depois a poesia fez o resto.
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Fizemos uma pausa. Ele continuou:
Tenho tanta ternura pela sua mão queimada ...
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(Emocionei-me e entendi que este homem envolve uma mulher de carinho). Vinícius disse, tomando um gole de uísque:
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É curioso, a alegria não é um sentimento nem uma atmosfera de vida nada criadora. Eu só sei criar na dor e na tristeza, mesmo que as coisas que resultem sejam alegres. Não me considero uma pessoa negativa, quer dizer, eu não deprimo o ser humano. É por isso que acho que estou vivendo num movimento de equilíbrio infecundo do qual estou tentando me libertar. O paradigma máximo para mim seria: a calma no seio da paixão. Mas realmente não sei se é um ideal humanamente atingível.
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Clarice: Como é que você se deu dentro da vida diplomática, você que é antiformal por excelência, você que é livre por excelência?
Vinícius: Acontece que eu detesto tudo que oprime o homem, inclusive a gravata. Ora, é notório que o diplomata é um homem que usa gravata. Dentro da diplomacia fiz bons amigos até hoje. Depois houve o fato: as raízes e o sangue falaram mais alto. Acho muito difícil um homem que não volta ao seu quintal, para chegar ou pelo menos aproximar-se do conhecimento de si mesmo.
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Clarice: Como pessoa, Vinícius, o que você deseja alcançar?
Vinícius: Eu desejaria alcançar outra coisa. Isso de calma no seio da paixão. Mas desejaria alcançar uma tal capacidade de amar que me pudesse fazer útil aos meus semelhantes.
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Clarice: Quero lhe pedir um favor: faça um poema agora mesmo. Tenho certeza que não será banal. Se você quiser, Menestrel, fale o seu poema.
Vinícius: Meu poema é um duas linhas: você escreve uma palavra em cima e a outra embaixo porque é um verso.
É assim:
Clarice
Lispector
Acho lindo seu nome, Clarice.
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Clarice: Você poderia dizer quais as maiores emoções que já teve? Eu, por exemplo, tive tantas e tantas, boas e péssimas, que não ousaria a falar delas.
Vinícius: Minhas maiores emoções foram ligadas ao amor. O nascimentos de filhos, as primeiras posses e os últimos adeuses. Mesmo tendo duas experiências de quase morte - desastre de avião e de carro - mesmo essa experiência de quase morte nem de longe se aproximou dessas emoções que falei.
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Clarice: Você se sente feliz? Essa, Vinícius, é uma pergunta idiota, mas que eu gostaria que você respondesse.
Vinícius: Se a felicidade existe, eu só sou feliz enquanto me queimo e quando a pessoa se queima não é feliz. A própria felicidade é dolorosa.
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Meditamos um pouco, conversamos mais ainda, Vinícius saiu. Então telefone para uma das esposas de Vinícius.
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Clarice: Como você se sente casada com Vinícius?
Ela respondeu com aquela voz que é um murmúrio de pássaro:
Muito bem. Ele me dá muito. E mais importante do que isso, ele me ajuda a viver, a conhecer a vida, a gostar das pessoas.
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Depois conversei com uma mocinha inteligente:
A música de Vinícius, disse ela, fala muito de amor e a gente se identifica sempre com ela.
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Clarice: Você teria um "caso" com Vinícius?
Não, porque apesar de achar Vinícius amorável, eu amo um outro homem. E vinícius me revela ainda mais que eu amo aquele homem. A música dele faz a gente gostar ainda mais do amor. E "de repente, não mais que de repente", ele se transforma em outro: e é o nosso poetinha como o chamamos.
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Eis pois alguns segredos de uma figura humana grande e que vive a todo risco. Porque há grandeza em Vinícius de Moraes.

Nelson Rodrigues

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"Avisei a Nelson Rodrigues que desejava uma entrevista diferente. É um homem tão cheio de facetas que lhe pedi apenas uma: a da verdade. Ele aceitou e cumpriu."
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Clarice: Você é da esquerda ou da direita?
Nelson: Eu me recuso absolutamente a ser de esquerda ou de direita. Eu sou um sujeito que defende ferozmente a sua solidão. Cheguei a essa atitude diante de duas coisas, lendo dois volumes sobre a guerra civil na História. Verifiquei então o óbvio ululante: de parte a parte todos eram canalhas. Rigorosamente todos. Eu não quero ser nem canalha de esquerda nem canalha de direita.
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Clarice: Nelson, você se referiu à solidão. Você se sente um homem só?
Nelson: Do ponto de vista amoroso eu encontrei Lúcia. E é preciso especificar: a grande, a perfeita solidão exige uma companhia ideal.
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Clarice: Ah, Nelson, isto é tão verdadeiro.
Nelson: Mas diante do resto do mundo eu sou um homem maravilhosamente só. Uma vez fiquei gravemente doente, doente para morrer. Recebi em três meses de agonia três visitas, uma por mês. Note-se que minha doença foi promovida em primeiras páginas. Aí, eu sofri na carne e na alma esta verdade intolerável: o amigo não existe.
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Clarice: Nelson, como consequencia de meu incêndio, passei quase três meses no hospital. E recebia visitas até de estranhos. Eu não sou simpática. Mas o que é que eu dei aos outros para que viessem me fazer companhia? Não acredito que não se tenha amigos. É que são raros.
Nelson: Ou eu dou muito pouco ou os outros não aceitam o que tenho para dar.
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Clarice: Mas você tem sucesso real - e sucesso vem quando se dá alguma coisa aos outros. Você dá.
Nelson: Eu tenho o que chamaria de amigos desconhecidos. São sujeitos que eu nunca vi, que cruzam comigo numa esquina, numa retreta, num velório. Certa vez fui a uma capelinha ver um colega morto. Eram duas horas da manhã. Uma mocinha saiu do velório ao lado com um caderninho na mão. Fez uma mesura para mim e disse: "Quero ter a honra de apertar a mão do autor de A vida como ela é." E me pediu o autógrafo. Eu senti que estava vivendo um momento da pobre ternura humana. Eis o que eu queria dizer: o amigo possível e certo é o desconhecido com que cruzamos por um instante e nunca mais. A esse podemos amar e por esses podemos ser amados. O trágico na amizade é o dilacerado abismo da convivência.
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Clarice: Mas Hélio Pellegrino é seu amigo, e Otto Lara Resende é seu amigo.
Nelson: Não. Eu é que sou amigos de ambos. É possível que um de nós ame alguém. O difícil (não quero dizer impossível) é que esse alguém me ame de volta. Hoje, antes de vir a sua casa, almocei com Hélio Pellegrino, como faço todos os sábados. Por causa de uma opinião minha, ele, com a sua cálida e bela voz de barítono de igreja, dizia para mim: É mentira, é mentira! Nunca me ocorrera nesta encarnação ou em vidas passadas, chama-ló de mentiroso. Naquele momento ele pôs entre nós a mais desesperada e radical solidão da terra. Tal agressividade não devia existir na história da amizade. Cabe então a pergunta: e porquê? Resposta: é impraticável a discussão política nobre. Sempre que pensa politicamente o sujeito se desumaniza e dezumaniza os problemas. E o Otto nunca me deu um telefonema. Estou dizendo isso com a maior, a mais honrada, a mais inconsolável amargura.
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Clarice: Você fala em encarnação e vidas passadas. Você é esotérico? Acredita em reencarnação?
Nelson: Eu sou apenas cristão, se é que eu o sou. A única coisa que me mantém de pé é a certeza da alma imortal. Eu me recuso a reduzir o ser humano a melancolia do cachorro atropelado. Que pulhas seríamos se morrêssemos com a morte.
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Clarice: Mas aonde vai a nossa alma, depois de mortos?
Nelson: Aí está o mistério e o mistério não impede evidentemente que a alma seja imortal.
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Clarice: Nelson, em quantos empregos você trabalha escrevendo?
Nelson: Eu tenho três colunas diárias, obrigatórias (escrevo muito mais para atender a pedidos insuportáveis). Tenho duas crônicas no Globo, as "confissões" e Chuteiras imortais. No Jornal dos Sports faço também uma crônica de futebol. Quando vou escrever um romance ou uma peça de teatro estou em plena estafa e tenho que fazer um superesforço. Acho que minhas condições de trabalho são desumanas.
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Clarice: Você está preparando algum romance ou peça de teatro?
Nelson: Eu tenho mil projetos romanesco e teatrais. Mas não tenho tempo físico para realizá-los.
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Clarice: Você se considera artisticamente um homem realizado?
Nelson: Não. Eu me considero inversamente um fracassado. Não me realizei e nem acho que alguém se realize. O único sujeito realizado é o Napoleão de hospício que não tem Waterloo nem Santa Helena.
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Clarice: Nelson, qual é a coisa mais importante do mundo?
Nelson: É o amor.
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Clarice: Qual a coisa mais importante para uma pessoa como indivíduo?
Nelson: É a solidão.
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Clarice: O que é o amor, Nelson?
Nelson: Eu sou um romântico num sentido quase caricatural. Acho que todo amor é eterno e, se acaba, não era amor. Para mim, o amor continua além da vida e além da morte. Digo isso e sinto que se insinua nas minhas palavras um ridículo irresistível, mas vivo a confessar que o ridículo é uma das minhas dimensões mais válidas.
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Clarice: Nelson, você tem dado muitas entrevistas. Todas elas se parecem com esta?
Nelson: Não, eu estou fazendo um esforço, um abnegado esforço, para não trapacear nem com você nem com o leitor.
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É preciso dizer que, durante a entrevista toda, ele não sorriu nenhuma vez. Com a verdade grave não se sorrir. Mas Nelson não tinha ainda dito o que queria quanto à pergunta: o que é o amor. Voltamos pois a ele.
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Nelson: Não estou me referindo ao sexo. O sexo sem amor é uma cristalina indignidade. Sempre que o homem ou a mulher deseja sem amor se torna abjeto. Uma mulher não tem o direito de se despir sem amor. Mesmo o bíquini, mesmo o decote, e repito, nenhuma forma de impudor é lícita se a criatura não ama. Se a criatura não ama, não pode usar biquíni, ousar certos decotes ou qualquer outra forma de impudor.
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Clarice: Você é um homem de sucesso. Até que ponto o sucesso interfere na sua vida pessoal?
Nelson: Não interfere justamente porque porque eu e Lúcia fundamos a nossa solidão.
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Clarice: Você gostou de me dar essa entrevista?
Nelson: Gostei profundamente. O que conta na vida são os momentos confessionais.
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*As entrevistas foram publicadas no livro: Clarice Lispector - Entrevistas, da Editora Rocco.

terça-feira, 11 de agosto de 2009












Peixinhos novos. Vamos escolher os nomes!?!
BOM DIA COMUNIDADE

segunda-feira, 10 de agosto de 2009


Morre o fotógrafo baiano Mário Cravo Neto, vítima de câncer
Redação CORREIO (Foto: Márcia Lima/ divulgação)
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Familiares confirmaram que o fotógrafo baiano Mário Cravo Neto, 62 anos, filho do também artista Mário Cravo Jr., morreu vítima de um câncer de pele na tarde deste domingo (9). Segundo informações de uma fonte que trabalha com o artista, Mário Cravo estava internado há três semanas no Hospital Aliança depois de ter piorado o seu quadro médico.
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Durante um ano ele permaneceu em São Paulo para lutando contra um câncer. Em julho, retornou à capital baiana para dar continuidade ao tratamento.
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Nascido em 1947 em Salvador (BA), Cravo Neto começou na arte aos 18 anos, desenvolvendo trabalhos em escultura e fotografia. Ele participou de cinco bienais de São Paulo (1971, 1973, 1975, 1977 e 1983), além de inúmeras mostras de fotografia na Europa e nos EUA.

De repercussão internacional, a obra de Mário Cravo Neto tem como principal característica a ligação com o universo afro-cristão existente na cidade onde nasceu, Salvador. Suas fotografias possuem, ao mesmo tempo, influências dos mitos religiosos do candomblé e da cristandade.

Durante o ano de 1968, quando se mudou para Nova York, ele realizou uma série de fotografias em cores 'On The Subway' e produziu também suas primeiras esculturas de acrílico. Entre os livros publicados estão “Ex-Votos“, 1986, “Salvador“, 1999, “Laróyè“, 2000, “Na Terra sob Meus Pés”, 2003, e “O Tigre do Dahomey - A Serpente de Whydah”, 2004.

O corpo será velado na manhã desta segunda-feira (10) no cemitério Jardim da Saudade, na capital baiana, onde será cremado às 11h.

Biografia
Mário Cravo Neto iniciou-se na arte da fotografia e da escultura em 1964. Estudou na Art Student’s League de Nova Iorque (1969-1970) e participou da 11ª., 12ª., 13ª.,14ª.,17ª. Bienal Internacional de São Paulo.

Em 1980 e 1995 recebeu o prêmio de Melhor Fotógrafo do Ano da Associação Paulista de Críticos de Arte, em 1996 o Prêmio Nacional de Fotografia da Funarte e em 2004 o Prêmio Mario Pedrosa da Associação Brasileira de Críticos de Arte.

domingo, 9 de agosto de 2009

A Gosto da Fotografia traz programação diversificada em espaços de Salvador
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A cidade de Salvador sedia até 13 de setembro, o já consagrado festival A Gosto da Fotografia, um dos mais expressivos e criteriosos projetos sobre fotografia no Brasil que chega a sua quinta edição trazendo uma programação diversificada.

O grande homenageado do evento deste ano é o fotógrafo baiano Voltaire Fraga. Ainda que desconhecido por muitos, trata-se de um dos mais importantes memorialistas brasileiros do século XX. Seu trabalho documental, realizado entre as décadas de 1930 e 1970, retratou o cotidiano de Salvador e seus habitantes sob os mais diferentes aspectos: arte, religiosidade, ancestralidade, urbanismo, comportamento, etc. Morto aos 94 anos sem o devido reconhecimento que merecia, deixou uma obra única na sua capacidade de desvendar a cidade onde nasceu e que tanto amava.

A exposição destaca o trabalho de três fotógrafos de origem francesa com expressiva atuação na história da fotografia brasileira: Pierre Verger, Marcel Gautherot e Jean Manzon. Nesse núcleo será feita uma homenagem ao pensador Claude Lévi-Strauss, que fotografou São Paulo entre os anos de 1930 e 1935 quando viveu no Brasil.

A mostra vai além ao incluir também o trabalho de três fotógrafos franceses da atualidade, provocando a leitura dos percursos realizados pelas obras de Verger, Gautherot e Manzon. Os fotógrafos Bruno Barbey, Olívia Gay e Antoine D’Agata vieram especialmente ao país para uma jornada de trabalho nas cidades São Paulo, Rio de Janeiro, Recife, Salvador, São Luiz e Belém. Completa a mostra uma terceira vertente: os fotógrafos brasileiros Luiz Braga, Tiago Santana e Mauro Restiffe desenvolveram um diálogo entre as imagens históricas existentes e as imagens realizadas pelos fotógrafos franceses convidados.

Além disso, a programação da quinta edição do A Gosto da Fotografia destaca o trabalho de quatro importantes fotógrafos brasileiros: Vânia Toledo, Marc Dumas, Ieda Marques e Sérgio Benutti.

Vânia Toledo – Apresenta a mostra Diário de Bolsa- Instantâneos do Olhar, que reúne dezenas de imagens produzidas com sua Yashica de estimação, sempre guardada na bolsa para um eventual fragrante. Desta forma, ela documentou uma geração: artistas, amigos, conhecidos, desconhecidos. Gente em momentos descontraídos, espontâneos, vibrantes – instantâneos de um tempo perdido entre a inocência e a ousadia.

Sergio Benutti – Apresenta a mostra A Construção de uma Memória, que tem como ponto de partida a restauração da segunda etapa da Santa Casa de Misericórdia da Bahia, que nasceu junto com a cidade de Salvador, em 1949. Benutti documentou o processo de restauro do rico acervo da instituição, que reúne cerca de 1.800 obras, entre pinturas, mobiliário, azulejaria, imaginário, alfaias e documentos raros.

Ieda Marques – Apresenta a exposição Luz do Interior, que retrata o clima e a riqueza cultural no cotidiano das cidades da Chapada Diamantina, na Bahia. Seu alvo de observação é a cozinha, espaço doméstico impregnado de significados, ambiente de intimidade da família, extrato de uma sociedade com traços culturais que beiram o encantamento.

Marc Dumas – Apresenta a mostra Porto da Barra – literalmente, um mergulho fotográfico no mar daquela que é uma das mais famosas e badaladas praias de Salvador. Dumas fotografa pessoas e embarcações que ali navegam. Sempre associando a presença humana ao mar que emoldura o ambiente.
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O festival A Gosto da Fotografia ocupará este ano os seguintes espaços: Palacete das Artes, Solar do Ferrão, Santa Casa de Misericórdia, Galeria ACBEU e Galeria do Conselho Estadual de Cultura.

http://www.cultura.ba.gov.br/noticias/plugcultura/a-gosto-da-fotografia-traz-programacao-diversificada-em-espacos-de-salvador

sábado, 8 de agosto de 2009


BOB WOLFENSON - CINEPOLIS
Ver o mundo como um ‘ciclope’, com um único olho-mecânico, filtro da realidade tangível. Esta é a forma como alguns fotógrafos, a exemplo do paulista Bob Wolfenson, percebem a vida, a observam e transformam-na em elementos simbólicos. Um pouco do trabalho deste artista poderá ser conhecido no Museu de Arte Moderna da Bahia, na mostra Cinepolis, inédita no Brasil. A abertura acontece no dia 07 de agosto, às 19h. A exposição fica em cartaz de 08 de agosto a 06 de setembro, no Casarão do MAM, com visitação gratuita de terça a domingo, das 13h às 19h e aos sábados das 13h às 21h.
Dá pra ver?

quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Desvendando Marfa - Brooke Schwab fala de como juntou 13 desconhecidas para revelar em cliques a cidade texana (Flora Paul)


As integrantes do coletivo nas redondezas da cidadezinha texana

Junte 13 mulheres que mal se conhecem, 13 máquinas fotográficas, US$ 700 e um destino improvável. Essa é a história do coletivo MarfaTrip, que resultou em 10 mil cliques fotográficos e um website cheio de imagens incríveis de uma cidadezinha no interior do Texas com uma população de apenas 2 mil pessoas, a pequena Marfa.

A fotógrafa texana Brooke Schwab descobriu a cidade há quase uma década. “É um lugar que me inspira artisticamente e espiritualmente”, contou ao site da Tpm, por e-mail. Depois de ter a ideia de juntar um grupo de fotógrafas para uma expedição, decidiu que Marfa seria o cenário da aventura. Capitaneou as escolhidas através de amigas – algumas até mesmo on-line – e para lá foram, no começo de junho.

Conversamos com Brooke sobre como foi viajar em um grupo praticamente desconhecido, o dilema entre fotografia digital e analógica e qual é a próxima cidadela que o coletivo pretende explorar.

Como o coletivo se formou?
Decidi que queria juntar um grupo de mulheres de todo o país para fotografar juntas. Então eu e uma amiga fotógrafa começamos a escolher meninas para formamos esse grupo e fazer uma viagem, foi ai que surgiu a ideia da viagem a Marfa. Algumas meninas se conheciam, mas algumas não. E então abraçamos a ideia, escolhemos um bom cenário e fomos nos conhecer durante uma semana por lá.



E por que vocês escolheram viajar para Marfa?
Esta é uma pergunta popular! Quando me perguntam por que ir para Marfa, eu respondo: e por que não? Eu sou do Texas, viajo para Marfa já faz uns sete anos. É um lugar que me inspira artisticamente e espiritualmente. Todas esses anos em que visitava a cidade, pensava que era um ótimo lugar para se fazer um retiro. Eu simplesmente sabia que seria um lugar maravilhoso para isso.



Como foi quando chegaram lá?
Quando chegamos lá, foi uma sensação realmente revigorante, só em pensar que não precisávamos fazer nada do nosso dia a dia, podíamos relaxar, andar por ali, passear de bicicleta. Ficar longe de uma cidade grande e passar um tempo em uma cidadezinha faz com que você diminua o ritmo e reflita bastante.

Você se lembra de alguma história memorável durante a viagem?
Como juntamos mulheres de vários Estados, nos encontramos de avião. Mas tiramos um dia para dirigir pelas redondezas, queríamos conhecer mais da região e, quem sabe, encontrar alguma cidade fantasma! Enquanto dirigíamos pelas estradas desertas, encontramos um monte de coisas que as pessoas jogaram fora por ali, no meio do nada. Foi um ótimo dia, nos sentimos muito livres. E também tivemos muitas frases memoráveis, claro.

Como foi viajar em 13 mulheres?
Você se surpreenderia com o quão bem nos demos. Normalmente só de pensar em 13 mulheres se arrumando juntas para sair para um jantar parece uma missão impossível. Mas não foi. Somos todas muito tranquilas. E nos arrumávamos em 15 minutos! Então foi bem fácil.

Porque o coletivo não tem fotógrafas amadoras?
O coletivo só tem fotógrafas profissionais porque queríamos que a formação do grupo servisse para encorajar cada uma de nós a se aventurar mais em nossa profissão. Porque todas nós temos nossos próprios estúdios e geralmente fotografamos apenas retratos e casamentos.

Quantas fotos vocês tiraram?
Acho que em torno de 10 mil. Mas eu não contei uma por uma!

Quanto custou a viagem?
Pensando por cima, sem incluir comidinhas e as passagens de avião, custou uns US$ 700.



O grupo discutiu sobre fotografar em filme ou digital?
O que você acha dessa discussão, ela ainda importa?

Amamos tanto filme como digital e por isso nem pensamos muito sobre qual é melhor ou qualquer coisa a respeito. Acabamos fotografando mais em digital mesmo, mas adoramos fotografar em filme.

Qual você acha que é a importância da fotografia?
Acho que a grande importância da fotografia não é, por exemplo, sobre criar algo grandioso. É sobre criar. E criar algo que fale algo, que passe uma mensagem.

Quais são os próximos projetos do coletivo? Novas viagens? Talvez lançar um livro?
Nós queremos conseguir colocar todas as nossas fotos on-line, criar uma grande galeria. É o que estamos fazendo atualmente. Nunca pensei seriamente em lançar um livro com nossas fotos, mas é uma ideia interessante. Nossa próxima expedição já está marcada: vamos para Bend, uma cidade no Estado do Oregon, em outubro. E seria muito legal ir para a Costa Rica!














Texto por Flora Paul
Fotos Reprodução MarfaTrip

quarta-feira, 5 de agosto de 2009


Gamboa - SSA

domingo, 2 de agosto de 2009

(para melhor resolução das fotos, a dica: clica em cima para ampliar, cabeça!)


Este é o pátio Raul Seixas da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFBA (Estrada de São Lázaro - Federação)

Parece abandonado? Definitivamente eu não sei!

Cadeiras e mesas vazias. Delícia de silêncio

Jardim ...

Folhagens secas

Detalhe na arte de Oxum e na ressalva das palavras de ordem social

Lá de cima (do casarão) dá pra ver a Igreja de São Lázaro (ao fundo: Praia de Ondina)

A igreja .
O dia chuvoso passa devagar
Mais frio que o normal
Os bem-te-vis cantam no telhado
Estavam sumidos do JMJ
Apareceram subitamente e bem cantantes
O canto acalenta
Agora espero a boa-vibe ...
Aqui, início da tarde, sozinha como sempre, pensando na vida e sentindo saudade.

sábado, 1 de agosto de 2009

Rasta Surfers - Trip vai à Jamaica e encontra uma cena singular no surf mundial, dominada por rastafáris


Segurando entre os dedos um baseado já queimado pela metade, mas ainda num tamanho considerável, Antony Wilmot, conhecido como Billy Mystic, aproxima-se de mim. Estávamos a poucos metros do mar jamaicano, em Bull Bay, onde a figura de longos dreadlocks – grisalhos devido às cinco décadas de vida – mora e mantém o Jamnesia Surf Club. Em silêncio, Billy saca o isqueiro, acende seu baseado e dá uma tragada longa. Sem soltar a fumaça, peito estufado, vira e diz: “E então, o que você quer saber sobre os surfistas rastafáris?”. Na pequena mas crescente cena local, Billy é ícone de um grupo de surfistas que se destaca por mesclar dois estilos de vida, o dos rastafáris, quase religioso, e o dos surfistas, esse velho conhecido.

A reportagem da Trip foi até lá acompanhar três profissionais brasileiros que viajaram dispostos a descobrir como são as ondas da ilha. Acabou deparando com uma cena única, sob a bênção de Jah. “O fato de o surf ser algo ligado à natureza faz com que ele se assemelhe à cultura rasta”, diz Billy. E completa: “Uma pequena parte dos rastafáris jamaicanos surfa, mas boa parte dos surfistas é rasta”. Sua família é exemplo disso. Seus cinco filhos ostentam dreadlocks e exploram os picos que a Jamaica oferece. Tudo sem atropelo, já que o surf no país não é popular, apesar das ondas quebrando no sudeste da ilha.

Pelos cálculos de Billy, hoje na Jamaica há menos de 200 surfistas, profissionais ou não. Mulheres, não chega a dez. A número um do ranking, aliás, é sua filha Imani Wilmot, 18 anos, que é rasta, não fuma e ensina o esporte a crianças. “Temos quatro ou cinco nos campeonatos, e no máximo 10 surfando em toda a ilha. Às vezes fico mais de um mês sem ver outra surfista”, conta. A realidade contrasta com a idade do surf por lá. Billy entrou no mar pela primeira vez com uma prancha debaixo do braço no início dos anos 70. Dava para contar nos dedos quantos se arriscavam no mar, era a primeira geração de surfistas locais, ainda se acostumando com a vida depois da independência conquistada diante da Inglaterra na década anterior. A situação ficou assim até Billy fundar a Associação de Surf da Jamaica, em 1999, e ver o esporte começar a crescer. Para o mundo, contudo, o país ainda é apenas a terra do reggae, da maconha e dos rastafáris.

Dreadlocks no campeonato mundial
Com um envelope grande nas mãos, Billy desce a escada que liga sua casa ao surf club. Quer mostrar à reportagem um projeto no qual trabalha há algum tempo. De dentro do envelope, retira um livro com uma capa dura branca coberta por uma foto instigante: um surfista com largos dreadlocks passando com sua prancha em frente a uma gigantesca plantação de maconha – a foto só não está nesta página porque Billy não liberou, aliás. Sobre a imagem, a inscrição em letras douradas: Surf rasta – A história não contada do surf, style e música jamaicana de 1960 a 2010. Nas páginas internas, retratos antigos ilustram como os amantes de Jah começaram a encarar as ondas.

Pelos cálculos de billy, hoje na Jamaica há menos de 200 surfistas, profissionais ou não. Mulheres, não chegam a dez

Em parceria com a marca de surf australiana Insight, que patrocina a família Wilmot, Billy pretende lançar o livro no ano que vem. “A ideia é ilustrar o desenvolvimento do surf jamaicano, mostrando o que acontecia ao mesmo tempo na música e na cultura rasta. Nos anos 70 e 80 o país ganhou nome por conta do reggae e dos rastafáris, mas ninguém sabe que, paralelamente, o surf também se desenvolvia.” Para os filhos de Billy, o reggae, a vida rasta e o surf caminham juntos, numa combinação que, quem tem o privilégio de usufruir diz ser a mais prazerosa possível. Inilek Wilmot, 24 anos, por exemplo, pegou as primeiras ondas aos 7, já identificado com o lifestyle rastafári – o que, em seu caso, não inclui o baseado, por causa da asma.

Aqui vale uma breve explicação: na cultura rasta, fumar a ganja é uma espécie de ritual religioso, uma oferenda a Jah. A maioria dos rastas que ouvimos classifica sua cultura não como uma religião, mas como um estilo de vida, marcado por uma ligação estreita com a natureza (ponto que o aproxima do surf) e pela crença de que as relações humanas são mais importantes que qualquer bem material. O discurso sobre viver da forma mais natural possível está na ponta da língua de todos que ostentam dreadlocks. O cabelo, por sinal, também tem explicação religiosa. “Eles crescem de acordo com um voto, um agradecimeto a Deus por algo. Pode ser um voto de três anos ou uma semana.”

Dos nove campeonatos nacionais realizados no país, Inilek venceu quatro. Outros familiares levaram mais alguns, consolidando uma hegemonia dos rasta surfers. Seu irmão Icah planeja inclusive entrar para o circuito do WQS (World Qualifing Series) em 2010. Tudo isso sem ganhar um centavo em premiações. “Não tem dinheiro. É só pra dizer: ‘Eu fiz, sou o campeão nacional’.”, explica Inilek. A maior recompensa é mesmo a participação no ISA World Surfing Games – competição mundial da respeitada International Surfing Association. Desde 2002, os melhores surfistas da temporada vão ao torneio. Bons resultados eles nunca conseguiram, mas ninguém se preocupa com isso. Garantem que, mesmo sem estar entre os top, são idolatrados no evento.

Sean com a galera nas ruas de Kingston

Portas abertas da Jamnesia
A rica história do surf local passa obrigatoriamente pelo Jamnesia Surf Club. O terreno do clube, à beira-mar, está sempre de portas abertas. Aliás, nem tem portão, ao contrário das construções vizinhas, todas gradeadas. Dezenas de pranchas ficam enfileiradas, para as aulas de surf. Ali também funciona a Associação de Surf da Jamaica. E, como não existe surf shop na ilha, os surfistas dependem da parafina que a associação recebe do patrocinador. Quem não consegue usa vela. Por fim, ali é também a casa da família de Billy, o que agrega ao lugar traços rasta, como o som constante do reggae.

Uma cena que vimos em um dia de semana qualquer ilustra bem essa paixão musical. Eram 11 da noite, e os instrumentos estavam só começando a ser ligados no quintal do Jamnesia. A banda de Inilek ia passar algumas músicas. Horas antes, o reggae ecoara em um estúdio de gravação improvisado por ali. Billy e sua banda, a Mystic Revealers, já lançaram cinco CDs, com direito a turnê pela Europa, e os filhos seguem o mesmo caminho. Quando o reggae deixa de ser ouvido no Jamnesia Surf Club, já passa de 1h30. Billy, que acompanhava o ensaio, dá a última tragada na ganja que tinha na mão. Vai dormir, quer acordar cedo para checar como está o swell nos picos que costuma frequentar e, quem sabe, poder surfar.

Brasileiros na área
“Jamaica? Mas lá dá onda?” O free surfer brasileiro Fernando Fanta não tinha resposta. “Nunca ouvi falar de surf por lá”, insistiam os amigos. Ótimo, esta era a ideia: ir para um lugar onde quase ninguém soubesse do potencial das ondas e garimpar a verdadeira cena surf local. Junto com os também surfistas Igor Morais e Yuri Castro, Fernando embarcou sem saber exatamente o que encontraria.

“A vibe no mar é muito boa. No Havaí, por exemplo, tem um localismo pesado. Aqui eles têm prazer de surfar com você. E não existe crowd”

Descobriu rapidamente, por exemplo, que a ilha pode ser dividida em duas partes: no norte ficam as praias paradisíacas e os resorts, e o mar é totalmente flat. As ondulações não chegam até ali porque são bloqueadas por uma proteção natural formada pela ilha que abriga Haiti e República Dominicana e por Cuba. Para os surfistas, a diversão está do outro lado, ao sul, perto da capital, Kingston. “Por ser de pedra, o fundo do mar daqui é o melhor pra formação de ondas”, explica Igor. Lighthouse, Makka e Copacabana – sim, lá também tem uma – são alguns dos picos mais conhecidos. Tudo bem que as ondas dificilmente chegam a 10 pés (uma das razões para a ilha não receber muitos surfistas de fora), mas pelo menos entram durante o ano inteiro.

O que a cena de surf jamaicana guarda de melhor, entretanto, é raro de encontrar pelo mundo. “A vibe no mar é muito boa. Não tem essa de ficar disputando onda. No Havaí, por exemplo, tem um localismo pesado. Aqui eles têm prazer de surfar com você, em te assistir. E não existe crowd”, resume Yuri. Assim, depois de duas semanas, Fernando pôde responder da pergunta que tanto lhe fizeram. Sim, na Jamaica há onda. E algo mais.

O free surfer brasileiro Fernando Fanta forma o símbolo rasta com Inilek Wilmot, filho de Billy e tetracampeão mundial

O surfista e morador da Jamnesia Sean

Icah mostrando porque almeja o WQS

Iuri Castro voa nas ondas da ilha

Billy Wilmot fora d'água
[http://revistatrip.uol.com.br/revista/179/reportagens/rasta-surfers.html#5]

Texto por: Caio Ferretti
Fotos: Moisés Tupinambá / Divulgação Lost